Um breve Raio-X da Tecnologia da Informação em 1998

Olá, e obrigado por sua visita!  O pessoal do vBrownBag Brasil teve uma ideia muito interessante hoje e isso me motivou a escrever sobre o tema.  Eles vincularam um evento online.  Agradeço ao Valdecir Carvalho, Ricardo Conzatti e Wesley Martins pela excelente ideia.  Como alguém que trabalha na área há mais de 20 anos, naturalmente vivenciei bons momentos em 1998.

Esta série de 3 posts vai cobrir a época do ponto de vista de segmentos distintos:  Data Center, Redes de Computadores e Cyber Security.  Se quiser ir diretamente para os outros artigos da trilogia, clique nos links correspondentes:

Vamos ao que interessa!

 

Onde você estava trabalhando em 1998?

Muita gente que está lendo o artigo talvez nem fosse nascido nesta época (ou talvez tivesse acabado de nascer). Eu já havia iniciado minha vida profissional e tive a grata coincidência de estar trabalhando justamente numa empresa de Telecomunicações.  Para aqueles que não lembram (ou até não tiveram conhecimento de se informar), nosso sistema era estatal até 1998!  Sim, ele se chamava Telebrás e era composto por diversas companhias estatais, cada uma abrangendo um estado.  Em julho de 1998, o governo de Fernando Henrique Cardoso privatizou o setor inteiro.  Para saber mais sobre este movimento, veja aqui.  Passei por este período, fui convidado a me tornar funcionário (era terceirizado), recusei e abri minha própria empresa. 🙂

As empresas chamavam de CPD (Centro de Processamento de Dados) a sala onde os ativos de Tecnologia da Informação eram instalados.

Entre 1996 e 1999, trabalhei na Teleceará, então empresa estadual pertencente ao Sistema Telebrás.  Meu papel era ser Analista de Suporte e cuidar não só da rede LAN e WAN, mas também do Data Center.  Nesta época, a empresa dispunha de um mainframe e de diversas estações RISC, que eram responsáveis por tarefas distintas, como bilhetagem da telefonia celular, gerenciamento da rede local de computadores, provisionamento da rede de telefonia fixa, cálculos estatísticos relacionados ao ambiente, e diversas outras.

O mercado fervilhava com a abertura da Internet para o resto da população brasileira (exploração da Internet comercial). Até meados da década de 1990, o acesso à rede era restrito às universidades e instituições de pesquisa.  A liberação permitiu que qualquer pessoa pudesse visitar as homepages (os sites e portais eram chamados assim) a partir de casa bastando, para isso, ter uma linha telefônica fixa e um computador.  As BBSs (ou Bulletin Board Systems) já praticamente haviam sumido em 1998.  Pouquíssimos sistemas estavam em operação, mas em franca decadência, uma vez que os repositórios de homepages só cresciam.

Vejamos, agora, os segmentos um a um.

 

Data Center

Nesta época, não eram empregados os conceitos de Data Center que conhecemos atualmente.  As empresas chamavam de CPD (Centro de Processamento de Dados) a sala onde os ativos de Tecnologia da Informação eram instalados.  Switches, servidores, roteadores ficavam concentrados nessa sala, muitas vezes, sem o devido cuidado com refrigeração, cabeamento estruturado e segurança no acesso.  Os mainframes tinham mais atenção e precisavam de uma sala (ou CPD) à parte. Sempre eram mais caros e a eles eram confiadas as tarefas mais críticas da empresa.

A Figura 1 mostra uma típica sala de mainframe na década de 1990.  Pode-se ver o próprio mainframe, discos e suas controladoras, impressoras, controladoras de terminais e a bancada dos administradores.

Figura 1: Sala de Mainframe – crédito: IBM Archives

A segunda metade da década de 1990 também presenciou o movimento de downsizing (em Inglês) ou reengenharia, que consistia em transferir aplicações e serviços dos mainframes para ambientes de menor tamanho físico (daí a palavra down). Este movimento era mais abrangente e tinha como intuito reduzir custos com pessoal e equipamentos. Os serviços que eram mantidos pelo mainframe passavam a ser atendidos por estações RISC e, dependendo da capacidade, por PCs também.

O cenário da época eram diversos fabricantes de processadores RISC, cada qual com sua modalidade de UNIX.

No mundo de RISC Computing, havia uma competição saudável entre alguns fabricantes, com três se destacando entre os demais:  HP, IBM e Sun Microsystems.  Cada empresa construía o hardware (que se parecia com um PC de mesa um pouco maior) e o software, que se tratava de um sabor de UNIX.  Cada fabricante fazia seu próprio processador.  Assim, tínhamos, respectivamente, o HP-UX (rodando sobre os processadores MIPS), o AIX (que funcionava sobre a arquitetura POWER), e o SunOS (em Inglês), posteriormente, renomeado para Solaris, que era executado nos SPARC.  A Sun era uma empresa independente e ainda não havia sido adquirida pela Oracle.

Contemporânea a esses três nomes, havia ainda a DEC, com seu Digital UNIX, que funcionava sobre os processadores ALPHA.  Ela acabou sendo adquirida pela Compaq. Esta, por sua vez, virou propriedade da HP após alguns anos.

Portanto, o cenário da época eram diversos fabricantes de processadores RISC, cada qual com sua modalidade de UNIX.  Por conta desta diversidade, os consumidores desses sistemas normalmente elegiam um fornecedor, treinavam suas equipes no UNIX correspondente e baseavam seus sistemas no mesmo.  Na Teleceará os diversos setores operavam em centros de custos distintos, e cada um escolhia uma versão que lhe parecia mais agradável ou mais fácil de usar.  Assim, como eu trabalhava no suporte, tive oportunidade de interagir diretamente com HP-UX, AIX e SunOS/Solaris.

Desde o começo da década de 1990, a Novell era líder absoluta no mercado de sistemas operacionais para servidores.

Indo para um arquitetura de tamanho físico menor, chegamos nos processadores x86, representados pela Intel, Cyrix e AMD.  Na época, as três empresas disputavam de forma acirrada os clientes e havia uma verdadeira corrida tecnológica para lançar um recurso diferencial à frente das concorrentes.  A Cyrix, infelizmente, uniu-se à National Semiconductors alguns anos depois, perdeu o foco de mercado e saiu de cena.

As revistas da época cobriam esta competição, ressaltando os pontos fortes e fracos de cada fabricante (veja algumas capas na Figura 2).

Figura 2:  capas de revista com comparações entre processadores

E quais os sistemas operacionais usavam estes processadores?  Ah, aí entramos numa outra seara:  os servidores!  Em 1998, a Novell ainda dominava boa parte da fatia de mercado com seu NetWare (em Inglês).  Em outubro deste ano, foi lançada a versão 5.0, que causou um verdadeiro rebuliço com diversos recursos novos, como:

  • Suporte nativo e default ao TCP/IP, em vez de IPX/SPX;
  • Serviço de diretório com LDAP;
  • Compatibilidade com o ano 2000 (bug do milênio) e posteriores.

Naquela época, a virtualização era limitada ao mundo dos mainframes.  Nem as RISCs, nem as plataformas x86 usavam qualquer conceito de virtualização de servidores.  Assim, era comum ter diversos computadores no Data Center, cada um dedicado a um papel diferente, como:  servidores de arquivo, servidores de impressão, servidores de aplicação, entre outros.

Desde o começo da década de 1990, a Novell era líder absoluta no mercado de sistemas operacionais para servidores x86.  O NetWare e a suíte de protocolos que ele empregava (IPX/SPX) eram supremos entre os profissionais de TI, sempre que uma empresa desejava construir uma rede local.  As ferramentas para gerenciamento do servidor, como cadastro de usuários, gerenciamento de impressoras, criação e compartilhamento de volumes, entre outros, eram famosas por suas telas coloridas em verde e azul.  A Figura 3 mostra uma delas.

Figura 3: tela de sumário do Novell NetWare

A Figura 3 foi capturada a partir de uma janela Windows, mas se trata de uma aplicação 100% escrita para funcionar em modo texto.  Quando o NetWare virou conhecido e ganhou espaço mundo afora, a Microsoft havia lançado há alguns anos o Windows 3.1, e este produto ainda não era um consenso nem entre os usuários, nem muito menos entre os administradores de rede.  Na época, a IBM também tratou de criar seu próprio sistema operacional para concorrer com o Windows:  o OS/2 (em Inglês), que, mais tarde, ganhou uma versão estendida que atendia pelo codinome Warp.

A História mostraria que a Novell fracassaria por não conseguir acompanhar as demandas do mercado, e não poder competir com a Microsoft na mesma velocidade de inovação que a Internet demandava.

Posteriormente, com a maior adoção do Windows, a própria Novell foi “obrigada” a lançar versões de suas ferramentas de gerência do NetWare para esta plataforma.  O “problema” é que a Microsoft não se contentou que o Windows ficasse limitado apenas aos computadores de usuários.  Ela também queria o mercado de servidores. Assim, primeiro liberou o Windows NT Advanced Server, praticamente ao mesmo tempo que o Windows for Workgroups 3.11.  Em 1998, no entanto, ambas as plataformas já haviam evoluído:  a versão cliente passou a se chamar Windows NT Workstation, e a versão servidor, Windows NT Server 4.0 Desta forma, ela evoluía tanto no sistema operacional cliente, quanto no servidor (veja a Figura 4).  Aqui, houve uma separação entre o desenvolvimento do sistema operacional para clientes e para servidores, com os produtos progredindo de formas separadas.

Figura 4: Windows NT Workstation e Windows NT Server

Em 1998, o Windows 95 já estava em uso.  No entanto, após diversas reclamações de usuários em relação aos bugs constantes no produto. Numa tentativa de melhorar a situação para sua plataforma voltada a computadores de mesa e laptops, a companhia de Redmond liberou o Windows 95 OSR2.  Novos recursos foram incorporados, como o suporte a FAT32 e uma versão aprimorada da interface de linha de comando.

No entanto, os bugs continuavam.  Então, o seu sucessor (Windows 98) foi liberado ao mercado no mesmo ano.  Com uma interface praticamente igual à do Windows 95, e o boot ainda baseado no primeiro sistema operacional da Microsoft (o MS-DOS), os principais diferenciais foram uma maior integração com o browser Internet Explorer, suporte a mais tipos de hardware e facilidades nas conexões de rede.  Bugs antigos corrigidos e novos bugs, ainda piores, apareceram.  Assim, em outubro do mesmo ano, a Microsoft lançou o Windows 98 Second Edition (ou SE).  Com melhorias no suporte a áudio e a modems discados (na época, em pleno uso para acesso à Internet), o SE trouxe um pouco mais de “estabilidade” à plataforma, mas mostrou, algum tempo depois, que algo precisaria ser radicalmente alterado para dar mais confiança ao sistema.

A velocidade média das conexões discadas oscilava entre 14.400 bps e 28.800 bps (bits por segundo)!

Enquanto isso, no mundo dos servidores, a versão 4.0 do Windows NT Server trazia uma ferramenta embarcada que migrava TODA A REDE Novell NetWare para o ambiente Microsoft.  Isso veio incluído na licença do produto e foi um tiro de misericórdia na Novell, já bastante ferida na disputa pela atenção dos consumidores.  Usuários, impressoras, definições de rede, volumes, e demais componentes que constituíam uma rede Novell NetWare eram “automaticamente” importados pela ferramenta e convertidos nos respectivos recursos no ambiente Windows.  A posterior liberação de outros produtos Microsoft sob o conjunto BackOffice (em Inglês), como banco de dados, sistema de integração com mainframes, gerenciamento de inventário de software e outros, enterrou de vez o NetWare.

Figura 5: Microsoft BackOffice

A História mostraria que a Novell fracassaria por não conseguir acompanhar as demandas do mercado, e não poder competir com a Microsoft na mesma velocidade de inovação que a Internet demandava.

Bacana, mas isso é com relação ao Windows.  E quanto ao Linux?  Ninguém trabalhava com ele naquela época? A resposta é um sonoro “sim“.  O Linux ainda era um pouco desconhecido do mercado brasileiro, mas já despontava no cenário internacional como uma excelente alternativa para servidores, especialmente web (vide Apache).  As distribuições mais famosas eram Slackware, Debian e Red Hat, cada uma com seu formato próprio de gerenciamento de pacotes e estilos de configuração.  Sabemos que a última acabou transformando seu produto em comercial e cobrando licença de uso, bem como vendendo também um pacote de serviços e atualizações. Veja comparativos sucintos e bem interessantes sobre os dois grandes formatos de distribuição , SystemV e BSD, aqui e aqui (Inglês).

Em 1998, os instaladores Linux costumavam ser distribuídos em tamanhos próprios para gravação em disquetes de 3 1/2 polegadas!  Para quem não é da época, cada disco com estas dimensões armazenada um máximo de 1,44 MB. Isso mesmo!  Você consegue imaginar como dá pra colocar vários arquivos binários em cada disco? 😛 Acredite: cabia bastante coisa. Então, era normal que fosse necessário realizar download entre 14 ou 18 arquivos de 1,44 MB cada um, gravá-los em disquetes para, só então, realizar a instalação num computador de mesa, laptop ou servidor.  Detalhe: a velocidade média das conexões discadas oscilava entre 14.400 bps e 28.800 bps (bits por segundo)! É algo inimaginável para os profissionais novos. Meu primeiro contato com Linux, no entanto, aconteceu em 1996, através da distribuição Slackware ’96 (em Inglês).  Felizmente, os primeiros CDs com distribuições já eram vendidos junto com revistas especializadas nas bancas de jornal.  A Revista do Linux era uma das publicações mais famosas no Brasil.

Figuras 6: capas da famosa Revista do Linux

No Brasil, duas distribuições ficaram famosas por alguns anos, devido à preocupação em nacionalizar diversas ferramentas, bem como traduzir o máximo possível do sistema operacional para o Português.  A primeira foi a Conectiva Linux, empresa do Paraná que foi posteriormente comprada pela Mandrake Soft.  Após a aquisição, a distribuição passou a se chamar Mandriva (misto de Mandrake com Conectiva).  A última versão do produto foi lançada em julho de 2004.  A segunda empresa foi a Kurumin Linux, que lançou seu também homônimo sistema operacional.  Chegou a ser mais famosa que a Conectiva, mas, em 2008, esta distribuição brasileira também foi descontinuada.

Figura 7:  Conectiva Linux e Kurumin Linux (da esquerda pra direita)

O Rubens Queiroz de Almeida, criador e mantenedor de famosas listas de discussão por e-mail (sim, era isto o que usávamos antes de existirem WhatsApp e Telegram), deu início a um projeto chamado Rau-Tu, que seria um aportuguesamento do termo How-To (ou “como fazer”).  Este projeto consistia em responder a dúvidas da comunidade a respeito de como fazer diversas tarefas no Linux, como:  configurar drivers de impressora, instalar modems, fazer funcionar o servidor e gerenciador de janelas para ter acesso à interface gráfica, colocar o Linux para conversar com o Windows por rede, entre tantas outras. As pessoas poderiam perguntar e/ou responder às dúvidas. Uni-me ao projeto como colaborador, respondendo a grande parte das dúvidas enviadas. Para minha grata surpresa, o Rubens decidiu premiar os colaboradores mais bem avaliados, e acabei conquistando o quatro lugar dentre todos os competidores.  Como prêmio, recebi uma camisa da Conectiva e um caixa com os manuais e todos os CDs do Linux. 😉

Você se identificou com alguma coisa que leu aqui?  Deixe seu comentário no formulário abaixo.  Vai ser legal trocar experiências.  E por enquanto é isto.  No próximo post, mostro a realidade de 1998 no mundo de redes de computadores.  Ate lá! 🙂

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Maurício Harley

Olá! Meu nome é Maurício Harley. Tenho mais de 20 anos de experiência em Tecnologia da Informação. Durante minha carreira, trabalhei em setores diversos, como suporte a usuário final, manutenção de hardware, instalação e suporte a redes de computadores, programação, projetos avançados em Data Center, Cloud Computing, Cyber Security e Redes, incluindo Service Providers.

6 comentários

José Oliveira · 2018-03-05 às 17:59

Show de bola. Nossa: nesta época eu não conhecia nada de tecnologia. Post muito bacana. Abs e obrigado por compartilhar.

    Maurício Harley · 2018-03-05 às 18:29

    Que bom que gostou, José!

    Assistiu ao evento do vBB também?

Willgstone Santos · 2018-10-26 às 11:12

Harley, muito bacana! Em 1998 eu tinha apenas 4 anos e jamais imaginaria que um dia atuaria nesta área.

Há uma grande história por trás do que temos hoje, inclusive, muita coisa descontinuada que eu nem se quer ouvir falar (nem mesmo na faculdade).

Meu primeiro contato foi com o WindowsXP e agora que me aventuro no mundo Linux!

Obrigado por compatlhar.

Abraços;

    Maurício Harley · 2018-10-26 às 17:13

    Maravilha, Willgstone.

    Que bom que gostou! Pois é. A Tecnologia da Informação é realmente fascinante.

    Abraço!

Aguimar · 2023-06-13 às 18:22

Acompanhei toda essa trajetória desde 91.

    Maurício Harley · 2023-06-14 às 15:33

    Olá, Aguimar.

    Pois é. Interessante como o tempo voa. 🙂

    Maurício

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