Um breve Raio-X da Tecnologia da Informação em 1998

Olá e obrigado por sua visita! Vamos dar continuidade à nossa série que trata sobre como era a Tecnologia da Informação em 1998, ou seja, há exatamente 20 anos. No post anterior, você pôde ter uma noção de como eram as coisas do ponto de vista de Data Center. Chegou a hora de vermos como eram as Redes de Computadores.

 

O Novell NetWare e o domínio do IPX

Como expliquei antes, a década de 1990 foi marcada pelo monopólio da Novell e seu software para gerenciamento de redes, o NetWare. Muita gente chama simplesmente de “Novell”, por conta de ser o produto mais famoso e de maior renda da empresa durante muitos anos. A empresa foi oficialmente extinta em 2014, e hoje é parte da Microfocus. Porém, antes de acabar como companhia, ela adquiriu a SuSE (em Inglês), criadora de uma famosa distribuição Linux, em 2003.

Uma das características importantes do NetWare (documentação da versão 6.5) era o suporte nativo à suíte IPX/SPX (Internet Packet Exchange / Sequenced Packet Exchange). Os profissionais e amantes mais novos da Tecnologia da Informação talvez nem saibam, mas estes dois protocolos estiveram presentes em redes corporativas durante muitos anos.

A Cisco, principal fabricante de equipamentos de rede da época, embarcou o IPX/SPX em seu IOS.

Na verdade, como criadora do IPX/SPX, a Novell acreditava que a Internet iria se desenvolver sobre ele, e apostou nisso durante muitos anos. A História, no entanto, mostraria posteriormente que foi uma aposta errada. Assim, o IPX rivalizava com o IP, e o SPX, com o TCP. Como possuía suporte a roteamento, o IPX também poderia ser usado em redes de médio e grande portes.

A Cisco, principal fabricante de produtos de rede da época, durante muito tempo equipou seu IOS (sistema operacional executado em seus produtos) com suporte ao IPX/SPX. Isso garantiu um alcance ainda maior para as redes NetWare. Observe a figura abaixo. Ela apresenta a comparação entre os protocolos usados pelo NetWare e o modelo OSI (Open System Interconnection) da ISO.

Figura 1: comparação entre IPX/SPX e o modelo OSI – crédito: flylib.com

As velocidades tipicamente praticadas em LANs eram de 10 Mbps.

De acordo com o desenho, o NetWare também tinha sua implementação do RIP, bem como os protocolos SAP, NCP e NetBIOS. Este último ficou em uso por ainda alguns anos em servidores Windows, após o NetWare sair de cena. Vamos aos elementos que aparecem na figura:

  • O RIP (Routing Information Protocol) é um protocolo rudimentar de roteamento dinâmico;
  • O SAP (Service Advertising Protocol), por sua vez, era usado para divulgar serviços disponíveis em servidores NetWare, como compartilhamento de arquivos e impressoras, entre outros;
  • O NCP (NetWare Core Protocol) era usado para permitir a comunicação entre clientes e servidores NetWare. No começo, as estações de trabalho executavam MS-DOS, mas, com o surgimento e evolução do Windows, a Novell precisou desenvolver versões correspondente do seu software cliente;
  • O NetBIOS (Network Basic Input/Output System) está diretamente relacionado com a camada de sessão do modelo OSI. Permite a comunicação entre aplicações clientes e servidoras.

O cabeçalho do IPX é substancialmente mais simples do que seu concorrente IP. O mesmo vale para a comparação SPX-TCP. Basicamente, havia um número de rede, que precisava ser único em cada segmento, um endereço de origem e um de destino. Os endereços dos nós (hosts) correspondiam aos endereços MAC (Media Access Control) de suas próprias interfaces de rede. Não era comum, na época, que computadores usassem mais de uma placa de rede. As velocidades tipicamente praticadas em LANs eram de 10 Mbps.

A próxima figura apresenta um cabeçalho do IPX. Não entrarei em detalhes sobre os outros campos. Observe a identificação das redes de origem e destino, bem como dos nós (estações de trabalho ou servidores).

Figura 2: cabeçalho do IPX – crédito: rhyshaden.com

 

E fisicamente? Como essas redes se ligavam?

Em 1998, já tínhamos interfaces de rede com conectores 8P8C (em Inglês), ou RJ45 (que muita gente chama de “Ethernet”, confundindo o padrão de comunicação e o conector usado para ligar o cabo), e cabos de par trançado, implementando o padrão 10BASE-T, que previa uma distância máxima de 100 metros entre os nós comunicantes.

No entanto, ainda era bem comum o emprego do cabo coaxial e seus conectores T-BNC (Bayonet Neill–Concelman). Esta combinação permitia uma distância máxima de 185 metros para o cabo. Cada ponta precisava ser terminada (termo derivado do componente usado – terminador) por um resistor elétrico de 50 ohms. O padrão em questão é o  10BASE2 (em Inglês). Os cabos coaxiais ainda são bem comuns atualmente, para conexão de antenas de TV ou receptores de TV a Cabo.

A próxima figura apresenta exemplos de T-BNC e terminadores, sendo estes indicados pelas peças em verde. Observe o conector T-BNC mais à esquerda. Ele vem com um terminador incorporado.

Figura 3: conectores e terminador BNC – crédito: Wikipédia

Para facilitar o processo de migração do cabeamento, alguns fabricantes lançaram adaptadores de rede com os dois conectores (BNC e RJ45), como apresentado na figura 4 abaixo.

Figura 4: adaptador de rede dual – crédito: Comshop

Nesta época, os hubs ainda eram bem populares. Se você não sabe a diferença entre um hub e um switch, veja aqui. Só que os hubs eram usados apenas para concentrar cabos com RJ-45. Não sei se você percebeu, mas, possuindo a forma de um “T”, o conector era ligado a uma placa de rede no computador (na base do T), e cada lateral desse T recebia um cabo, que ia para outros computadores. Assim, os nós formavam uma topologia de barramento (ver figura 5).

Os computadores com cabos RJ45, como já citei, se ligavam através de um concentrador (hub ou switch). Em 1998, os hubs ainda eram bastante usados. Assim, esse tipo de rede física apresentava uma topologia conhecida como estrela, com o hub ou switch localizado no centro e as pontas da estrela correspondendo aos nós (computadores). Veja a figura 5.

Uma outra topologia ainda não foi mencionada:  anel. Sim, esta topologia, ao contrário das duas anteriores, não era o padrão Ethernet o empregado aqui. Outro padrão, criado pela IBM, defendia esta forma de conexão entre os computadores, e também consistia de uma maneira completamente diferente de comunicação, segundo a qual um token passava pelo anel. Quando um computador precisava enviar algum dado para outro, simplesmente ativava um marcador (flag) indicando que o token estava ocupado e adicionava o dado. Estamos falando do Token Ring. Veja a figura 5 para uma representação gráfica.

Figura 5: topologias de barramento, estrela e anel – crédito: ITEP

 

Isso era na LAN. E na WAN, o que havia?

Se você ainda não conhece o termo WAN (Wide Area Network), ele é usado para representar uma rede que alcança grandes distâncias, tipicamente entre cidades, estados, ou mesmo países. A Internet é um belo exemplo de WAN, pois todos os diversos equipamentos responsáveis pelo roteamento entre os vários setores da rede estão, de algum modo, conectados entre si. O meio físico usado é irrelevante, pois a comunicação consegue ser estabelecida tanto em fibra óptica, quanto em cabos de par trançado, enlaces de rádio ou satélite.

Então, vamos nos ater aos protocolos que estavam em voga neste período. Já tínhamos o IPX e o IP convivendo lado a lado nas redes de área local (LANs), como expliquei um pouco mais acima. Qualquer um dos dois poderia ser estendido para tráfego em WANs, graças aos equipamentos empregados na época. Entretanto, outros protocolos merecem menção especial. São eles o X.25 e o Frame-Relay.

O X.25 é um protocolo que atua nas três primeiras camadas do modelo OSI:  física, enlace e rede. Foi lançado em 1970 para operar numa rede de comunicação chamada Tymnet, estabelecida na Califórnia, Estados Unidos. Padronizado pelo ITU (International Telecommunication Union) para redes de longa distância, operou largamente nas décadas de 1970, 1980 e até 1990. Ele especifica alguns componentes importantes para implementação do protocolo:

  • DTE (Equipamento Terminal de Dados): corresponde a um elemento origem ou destino de uma comunicação;
  • DCE (Equipamento de Comunicação de Dados): elemento localizado entre o DTE e uma rede de comutação de pacotes (caso seja implementado num modem), ou entre a rede de comutação e o PAD;
  • PAD (Packet Assembler/Disassembler): usado para implementar funções adicionais não disponíveis em DCEs rudimentares, como: buffering, construção (assembling) e desconstrução (disassembling) de pacotes;
  • PSE (Rede de Comutação de Pacotes): estrutura de equipamentos interconectados e que se comunicam através da troca de pacotes.

A próxima figura apresenta um diagrama de implementação do X.25.

Figura 6: Rede X.25 – crédito: efagundes.net

O Sistema Telebrás (veja o post anterior) possuía uma rede nacional com o X.25: a RENPAC, ou Rede Nacional de Comunicação de Dados por Comutação de Pacotes. Criada nos meados da década de 1980, ainda atuava em 1998 como uma oferta de baixo custo para comunicação de dados a baixas velocidades. Alguns dos clientes mais famosos da RENPAC eram as máquinas PDVs (pontos de venda) leitoras de cartões de débito e crédito. Atualmente, conectam-se por Wi-FI ou rede celular, mas no final da década de 1990, o X.25 era o protocolo em uso.

Como a rede realizava a cobrança pela quantidade de pacotes trafegados (isto é, quanto mais se usava, mais se pagava), as máquinas de cartão se mostravam como um excelente cliente, uma vez que o tráfego necessário para autorizar e efetuar uma transação de venda era extremamente pequeno em termos de overhead de rede. Cada unidade da federação possuía sua subsidiária da RENPAC. No Ceará, tínhamos, portanto, a CEARAPAC.

O último protocolo que quero retratar aqui é o Frame-Relay. Este protocolo opera nas primeiras duas camadas do modelo OSI: física e enlace de dados. Surgiu como uma necessidade de ter desempenho melhor para as velocidades maiores que apareciam à medida que os equipamentos evoluíam e novas aplicações começavam a ser demandas pelas WANs. Assim, podemos dizer que o Frame-Relay foi inspirado no X.25, mas implementado de forma mais leve.

A camada de rede fica por conta do protocolo de rede que estava sendo usado na LAN (IPX ou IP), o que era bastante óbvio e claramente preferencial. Assim, para cada circuito virtual (nome dado à conexão lógica entre dois ou mais equipamentos implementando o Frame-Relay), é preciso criar mapeamentos entre o endereço de camada de rede (IPX ou IP) e o endereço de camada de enlace. Isso pode ser feito de forma estática ou dinâmica, nos equipamentos de rede.

Se você conhece um pouco de redes, lembra que o protocolo ARP, em redes Ethernet, é responsável por realizar o mapeamento entre endereços físicos (ou MAC) e endereços IP. Você talvez ainda não saiba que isso também vale para o IPX. Tanto vale, que este era o mecanismo usado para atribuição automática de endereços lógicos numa rede LAN. Lembra o DHCP? Pois é. No mundo NetWare, o protocolo usado era o BOOTP, que se valia do RARP (Reverse ARP) para consultar uma tabela de endereços físicos e atribuir endereços IP aos equipamentos.

Um mecanismo de mapeamento similar acontece com o Frame-Relay. Este protocolo possui uma função que permite a descoberta e mapeamento automático entre endereços de rede (IP ou IPX) e endereços físicos (DLCI – Data Link Connection Identifier). Você configura manualmente (estático) no roteador (ou comutador de camada 3) ou deixa o equipamento descobrir sozinho (dinâmico), por meio de um protocolo chamado IARP (Inverse ARP), que funciona de forma análoga ao RARP do BOOTP. Interessante, hein?

Por fim, é importante saber que há dois tipos de circuitos virtuais no Frame-Relay: o permanente e o comutado. No primeiro, o caminho era previamente definido e o fluxo de dados sempre o percorria para ir de um ponto A a um ponto B. No segundo, a própria rede escolhia o caminho que deveria ser seguido e o montava de forma dinâmica, distribuindo a carga entre os diversos equipamentos. As siglas usadas para definir os dois são PVC (Private Virtual Circuit) e SVC (Switched Virtual Circuit).

A próxima figura apresenta o diagrama de uma rede Frame-Relay mostrando PVCs e SVCs. O FRAD tem o mesmo papel do PAD nas redes X.25.

Figura 7: Rede Frame-Relay – crédito: GL Communications

 

Ufa! Por enquanto, é só.

Este foi extenso. 🙂

Por fim, gostaria de mencionar o ATM (Asynchronous Transfer Mode), que operava usando células de tamanho fixo (53 bytes) e que consistia de um padrão completamente diferente do Ethernet. Para interagir com este padrão, foram criados mecanismos para manusear tráfegos unicast e broadcast. São termos característicos deste padrão: LEC (LAN Emulation Client), LES (LAN Emulation Server), LECS (LAN Emulation Configuration Server) e BUS (Broadcast and Unknown Server).

O ATM é um padrão que requer bastante espaço para explicação, e eu não quis alongar ainda mais este artigo. Deixo a pesquisa posterior com você. Há bastante material disponível na Internet.

No próximo post, falamos sobre o cenário de 1998 do ponto de vista de segurança da informação. Até lá!

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Maurício Harley

Olá! Meu nome é Maurício Harley. Tenho mais de 20 anos de experiência em Tecnologia da Informação. Durante minha carreira, trabalhei em setores diversos, como suporte a usuário final, manutenção de hardware, instalação e suporte a redes de computadores, programação, projetos avançados em Data Center, Cloud Computing, Cyber Security e Redes, incluindo Service Providers.

4 comentários

    Maurício Harley · 2018-04-05 às 21:08

    Eu vi. Muito bom!

José Oliveira · 2018-05-05 às 21:10

Cara como sempre um ótimo artigo! Um abraço e muito obrigado por compartilhar seu conhecimento!

    Maurício Harley · 2018-05-07 às 09:15

    Opa, José.

    Fico feliz que tenha gostado. Espero poder ainda contribuir bastante com a comunidade de TI.

    Abraço!

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